Experiência com obras de arte apreendidas coloca Paraná na vanguarda da autenticação forense

Publicação
18/05/2022 - 14:31

Não era exatamente algo inédito nas investigações de grandes esquemas de corrupção, mas uma das frentes abertas pela Operação Lava Jato envolveu a apreensão de centenas de obras de arte – agora sob guarda do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba – que supostamente estariam sendo usadas para lavagem de dinheiro e fraude. A necessidade de que esse material fosse avaliado e tivesse sua autenticidade averiguada foi um dos motivadores para a promoção do evento “Autenticação e Valoração de Peças de Patrimônio Cultural para Fins Forenses”, que ocorreu ao longo da última terça-feira, 17 de maio.

O evento foi promovido pela Secretaria da Comunicação Social e da Cultura (SECC); pela Superintendência-Geral de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI); pelo Centro de Ciências Forenses da UFPR; e pelo Projeto GOIA (Guarda Observação Investigação e Análise de Peças do Patrimônio Cultural Brasileiro) da PF. Entre os palestrantes estavam representantes dos braços forenses da PF e pesquisadores da UFPR que discutiram tanto os procedimentos de investigação e amparo legal quanto algumas das técnicas forenses de análise física e química de autenticação das obras.

 

Obras apreendidas pela Lava Jato são recebidas pelo MON
Novo lote de obras apreendidas pela operação Lava Jato da Polícia Federal são colocadas sob a guarda do Museu Oscar Niemeyer (MON). Curitiba, 27 de maio de 2015.

 

Entre as peças de interesse estão “obras de arte, fósseis, artefatos líticos, todo tipo de patrimônio cultural, para combater as ilicitudes associadas a isso. Essas peças são muito usadas atualmente para lavagem de dinheiro e ocultação de riqueza, e a PF tem interesse em desvendar essa criminalidade por meio de metodologias técnico-científicas”, conta Fábio Augusto da Silva Salvador, Perito Criminal Federal em Curitiba e Coordenador do Núcleo GOIA, da Polícia Federal.

O Núcleo GOIA – pronuncia-se, apropriadamente, como o sobrenome do pintor espanhol Francisco de Goya – "é uma proposta de organização de todos os bancos de dados e de todos os exames técnicos e científicos voltados de peças do patrimônio histórico” diz Salvador, que foi um dos idealizadores e palestrantes do encontro. 

Integração
A partir do evento, que contou com dirigentes dos museus do Estado do Paraná, a ideia é montar uma rede multi e interdisciplinar nacional para dar apoio à investigação, contando com investigadores criminais, pesquisadores das universidades e especialistas em arte, além do suporte institucional de museus e instituições de guarda. 

“Nós vimos em conjunto com o pessoal do CCF a necessidade de fazer a integração das expertises da Polícia Federal com as das universidades. E o Estado do Paraná está adiante dessas iniciativas, que tem que se propagar para o Brasil inteiro”, comenta Salvador que depois emenda: “temos diversas instituições trabalhando com o mesmo alvo, mas sem uma coordenação que a gente considera que o Ministério da Justiça tem mais condição de fazer nesse momento”.

“A expectativa é que isso cresça, a gente não só quer melhorar as padronizações para esses exames na área, questões relacionadas à cadeia de custódia, mas também integrar uma rede de informações e conhecimento para fazer intercâmbio de dados”, comenta Marcos Camargo, presidente da APCF (Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais), outro dos palestrantes.

De acordo com Renê Wagner Ramos, Assessor Técnico da SETI para Museus e Patrimônio Cultural e ex-presidente da Coordenação do Sistema Estadual de Museus, “a ideia básica é que a PF traga a parte técnica e eles nos procuraram com esse conceito de fazer análise de autenticidade de obras de artes, fósseis, peças líticas e eu achei aquilo extremamente importante para os nossos museus”. 

 “É uma iniciativa superimportante principalmente pelo envolvimento que os museus do estado estão tendo e saber de que forma a gente pode trabalhar preventivamente, que informações para auxiliar a polícia e a polícia também nos conhecer. Que informações eles têm para a gente”, concorda Luciana Casagrande Pereira, superintendente-geral da cultura do Paraná, que também esteve presente no evento.

 

Policia Federal entrega aos cuidados do Museu Oscar Niemeyer(MON) obras apreendidas pela operação Lava Jato.
Policia Federal entrega aos cuidados do Museu Oscar Niemeyer(MON) obras apreendidas pela operação Lava Jato. Curitiba, 11 de agosto de 2015.

 

Banco de dados
Há uma unanimidade entre os envolvidos sobre como os próximos passos envolvem a criação de um banco de dados, “para que a gente possa ter ações cada vez mais eficientes e melhor organizar a atuação nessa área e combater aqueles que fazem um mau uso de obras de arte para lavagem de dinheiro e falsificações”, revela Camargo. 

Salvador reforça o sentimento ao dizer que “a maior vitória será conseguir estruturar uma organização adequada de bancos de dados, com todas as informações dispersas pelo Brasil, e todas as atividades sombreadas que existem em todas as instituições”. Por isso é preciso que haja envolvimento institucional em nível federal, estadual e municipal. “E daí a importância das universidades, além de uma integração muito grande com as secretarias de governo para a difusão de conhecimento acerca de todas as peculiaridades de cada uma das peças que o patrimônio cultural exige.”

 

Iniciativa nacional
“O que é mais relevante é que nós seremos referência para o Brasil”, comemora Ramos: “vamos criar uma rede, em comunhão com a SECC, com a parte técnica da PF e o laboratório forense da UFPR e que nós vamos criar uma rede de conhecimento acerca da valoração e da autenticidade de obras e isso vai permitir que a gente possa dividir esse expertise com os demais estados brasileiros. O que é uma honra e uma responsabilidade”.

“Os museus são parte fundamental no desenvolvimento desse projeto, não só por serem nossas reservas técnicas, para que possamos fazer os exames adequados, mas também para que com essa capacitação e essa integração possam difundir para a sociedade toda a importância do conhecimento técnico-científico sobre o patrimônio cultural brasileiro”, complementa Salvador. Camargo concorda: “a gente tem de buscar os museus e os museus têm que buscar a gente”.
 

MON
As obras apreendidas na operação Lava Jato estão sob guarda do Museu Oscar Niemeyer (MON), a partir de decisão da Justiça Federal. A instituição foi escolhida por apresentar as melhores condições técnicas para abrigá-las e mantê-las.

No total, atualmente 350 obras estão no MON. Entre elas, 12 foram destinadas para o Patrimônio da União (por meio do Ibram- Instituto Brasileiro de Museus) e estão cedidas para o Acervo do MON em regime de Comodato pelo período de 20 anos (assinado em 05/12/2019).

Entre as obras apreendidas, 26 fazem parte da exposição “Afinidades”, em cartaz atualmente na Sala 7 do MON. Elas são assinadas por artistas como: Sérgio Camargo, Pancetti, Guignard, Hélio Oiticica, Anna Maria Maiolino, Tarsila do Amaral, Cildo Meireles, Krajcberg, Anna Bella Geiger, Jarbas Lopes, Carina Weidle, Adriana Varejão, Mariana Palma, Lygia Pape, Nelson Leirner e Vicente do Rego Monteiro, entre outros.

 

Obras apreendidas pela Operação Lava-Jato no Museu Oscar Niemeyer. Curitiba, 12 de favereiro de 2015.
Obras apreendidas pela Operação Lava-Jato no Museu Oscar Niemeyer. Curitiba, 12 de favereiro de 2015.

 

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