O que é Sociomuseologia?

Publicação
18/05/2022 - 17:38
Editoria

O fim do século XX caracteriza-se pela transformação do conceito de museus, da museologia e das definições de patrimônio. Conservar objetos deixa de ser o único objetivo uma vez que a herança cultural transcende o materialismo, passando a ser compreendida de maneira ampla e imaterial e que contribui para a construção do pensamento crítico e da reflexão do tempo presente em sua complexidade “sócio-política-econômica-cultural” (PRIMO,1999).

Hugues de Varine (1979) afirma que o fenômeno dos museus é algo puramente colonialista, uma vez que os países europeus impuseram à suas colônias, dentre tantos outros hábitos e costumes, a forma como as sociedades não europeias deveriam enxergar e entender o patrimônio e a cultura. Dessa análise surgem segundo Chagas e Gouveia (2014) desafios sobre uma nova forma de se relacionar tais fenômenos, fazendo-se necessária a criação de uma nova ética, uma nova política museológica, novos saberes e fazeres museais. De maneira geral, uma nova museologia se fazia necessária, de modo a descolonizar as instituições.

Objeto museológico
A ampliação e ressignificação das noções de patrimônio influenciaram diretamente o que se entende por “objeto museológico”, abrindo espaço para novas práticas museológicas consideradas contemporâneas. As mudanças ocorridas no mundo levaram os profissionais da museologia a buscar uma maior aproximação com a dinâmica da vida, tornando a museologia uma disciplina aplicada que busca teorizar sobre o fato museal, entendido como a relação profunda estabelecida entre o homem e o objeto, em um cenário institucionalizado e que nas últimas décadas do século XX passa por uma ampliação conceitual: o homem passa a ser compreendido como toda a comunidade; o objeto dá lugar ao patrimonial e o cenário, visto como o espaço institucionalizado do museu, amplia-se a todo o território (PRIMO,1999).

A essência da museologia social se manifesta por meio de novos vínculos e compromissos assumidos com a ética de se promover o desenvolvimento sustentável das esferas nas quais se relaciona. Os novos rumos dados ao campo da ciência museológica e do patrimônio criam uma fissura que separa uma museologia conservadora de uma museologia livre e inclusiva, a favor de todos (os povos, as raças, os gêneros, o meio ambiente), comprometida com a dignidade e melhoria da qualidade de vida e visando a redução de injustiças, desigualdades sociais e preconceitos (CHAGAS E GOUVEIA, 2014).

Definição de museu
Podemos também notar os reflexos dessas discussões nas alterações da definição de museu dada pelo ICOM ao longo do século. Atualmente adota-se a definição estabelecida pelos estatutos aprovados na 22ª Assembleia Geral em Viena, no dia 24 de agosto de 2007, sendo “o museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o patrimônio material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite”. (ICOM, 2007).

Contudo, a 25ª Conferência Geral do ICOM, realizada entre 1º e 7 de setembro de 2019, em Kyoto no Japão, trouxe para votação uma nova proposta de definição, a qual não foi aprovada e adiada por um ano. A proposta dizia:

“Os museus são espaços democratizantes, inclusivos e polifónicos, orientados para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros. Reconhecendo e lidando com os conflitos e desafios do presente, detém, em nome da sociedade, a custódia de artefatos e espécimes, por ela preservam memórias diversas para as gerações futuras, garantindo a igualdade de direitos e de acesso ao patrimônio a todas as pessoas. Os museus não têm fins lucrativos. São participativos e transparentes; trabalham em parceria ativa com e para comunidades diversas na recolha, conservação, investigação, interpretação, exposição e aprofundamento dos vários entendimentos do mundo, com o objetivo de contribuir para a dignidade humana e para a justiça social, a igualdade global e o bem-estar planetário (ICOM, 2019).”

Nova museologia
A nova definição carrega em si os traços de quase 50 anos de discussões acerca de uma nova museologia assim como suas novas tipologias. A inclusão dos termos “democratizantes, inclusivos e polifônicos” assim como o “diálogo crítico sobre os passados e os futuros” denota o caráter social agregado aos museus neste novo pensamento lançado à luz da Mesa-Redonda de Santiago, assumindo também suas pluralidades.

No segundo parágrafo do texto, define-se que os museus “trabalham em parceria ativa com e para comunidades diversas”, conceitos advindos do museu integral proposto em 1972 e reforçados na Declaração de Oaxtepec de 1984.

Diversidade cultural
Utiliza-se nesse segundo parágrafo o termo “vários entendimentos do mundo”, reforçando novamente o compromisso desta nova instituição com e a favor da diversidade cultural, finalizando com “o objetivo de contribuir para a dignidade humana e para a justiça social, a igualdade global e o bem-estar planetário” legitimando o museu como agente de transformação social, aspectos levantados também em Santiago e que se consolidam na Declaração de Caracas em 1992.

Claramente essa nova definição de museus busca sintetizar todas as discussões realizadas no decorrer da segunda metade do século XX de modo a projetar os museus de maneira efetiva para um novo cenário no futuro, soando em sua totalidade mais como uma nova “visão” para os museus, do que propriamente uma definição em si.

Este texto foi produzido pelo residente técnico e museólogo Alex Godoy Padilha de Souza, e revisado pela museóloga Raisa Ramoni Rosa.

PRIMO, Judite Santos. Pensar contemporaneamente a museologia. Cadernos de Sociomuseologia, no 16, p. 5-38; Lisboa: UCHT, 1999.

CHAGAS, Mário; GOUVEIA, Inês. Museologia social: reflexões e práticas (à guisa de apresentação). Cadernos do CEOM - Ano 27, n. 41 - Museologia Social, 2014. MOUTINHO, M. (Coord.) Sobre o Conceito de Museologia Social. In: Cadernos de Sociomuseologia, v.1, n.1, 1993.

ICOM. MESA-REDONDA DE SANTIAGO DO CHILE. Cadernos de Sociomuseologia: Centro de estudos de Sociomuseologia., Portugal, v. 15, n. 15, p.111-121, 15 jun. 2009

ICOM. DECLARAÇÃO DE CARACAS. Cadernos de Sociomuseologia: Centro de estudos de Sociomuseologia., Portugal, v. 15, n. 15, p.243-265, 15 jun. 2009.

ICOM PORTUGAL. Sobre a proposta da nova definição de Museu. 2019. Disponível em: <http://icom-portugal.org/2019/09/10/sobre-aproposta-da-nova-definicao-de-museu/>.